O prefeito compareceu. E, em tempos de gestão sob suspeita e processo de impeachment, até o óbvio vira manchete. A oitiva ocorreu por videoconferência, com um ambiente que, do ponto de vista institucional, foi quase exemplar: condução técnica, serenidade, respeito ao rito, direito de defesa garantido.
E aí entra a ironia: quando o cenário está pronto para que se fale de fatos, surge o discurso. Quando a Comissão Processante se presta ao que deve — apurar —, o chefe do Executivo decide fazer aquilo que mais gosta a política quando está acuada: tentar deslocar o debate do terreno do processo para o terreno da torcida.
O prefeito atacou vereadores, atacou o Parlamento e, com a previsível facilidade de quem confunde crítica com ameaça, carimbou a palavra “golpe” no procedimento. É um truque antigo: se o processo é legal, diga que é perseguição; se é contraditório, diga que é armação; se é rito, transforme em narrativa.
Mas o que faz a Câmara quando provocada? Aqui está o ponto que merece registro: não mordeu a isca. Não devolveu na mesma moeda. Não fez escarcéu. Não transformou o plenário em ringue. Manteve o prumo — e isso, num ambiente em que a política adora o espetáculo, é quase uma raridade.
A própria Câmara, em Nota Oficial, fez questão de frisar que a oitiva ocorreu “com estrita observância ao rito previsto no Decreto-Lei nº 201/67” e sob as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. E mais: deixou consignado que o ambiente foi de “absoluto respeito institucional” por parte da Comissão e dos vereadores, com condução “técnica, serena e focada exclusivamente na apuração dos fatos”. Ou seja: institucionalmente, não há o que contestar no método.
O detalhe — o “detalhe” que vira manchete — é que a nota também registra, sem rodeios, que o prefeito adotou “discurso de cunho político”, com “críticas e ataques verbais ao Parlamento e aos vereadores”, chegando a qualificar o procedimento de forma incompatível com a natureza legal e institucional do ato. E, mesmo assim, a Comissão “absteve-se de responder a provocações” e preservou o rito.
Tradução para o português claro: a Câmara foi para um procedimento; o prefeito levou um palanque.
E veio, claro, o bordão moral, aquele que funciona muito bem em vídeo curto: o prefeito disse que “fechou a porta para a corrupção”. A frase pode soar heroica, mas numa oitiva ela é, na melhor hipótese, uma cortina de fumaça. Porque, quando alguém diz que fechou uma porta, a pergunta inevitável é: essa porta estava aberta quando? por quem? com que práticas? Se não há contexto, vira apenas autopropaganda. E autopropaganda não esclarece denúncia; autopropaganda só tenta dissolver responsabilidade em narrativa.
Enquanto o prefeito tentava “politizar” a instrução, a Câmara fez a escolha que mais irrita quem depende de retórica: agiu como instituição. Preservou o rito, garantiu defesa e, agora, segundo a nota, abriu o prazo legal para alegações finais da defesa a partir de segunda-feira. Depois vem relatório final e, por fim, julgamento em plenário — “órgão soberano”, como diz o texto.
A cidade, que não é boba, vai entender. A oitiva mostrou mais sobre método do que sobre bravata. E, quando o método é mantido mesmo sob ataque, quem perde é o espetáculo — e quem ganha é a democracia. A política pode gritar. A lei, quando levada a sério, não precisa gritar.
NOTA OFICIAL
A Câmara Municipal de Cachoeirinha informa que, na data de hoje, foi realizada a oitiva do Sr. Prefeito, por videoconferência, no âmbito dos trabalhos da Comissão Processante, com estrita observância ao rito previsto no Decreto-Lei nº 201/67 e às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
O ato transcorreu em ambiente de absoluto respeito institucional por parte da Comissão Processante e dos vereadores, assegurando-se ao denunciado e à sua defesa todas as prerrogativas legais. A condução dos trabalhos manteve-se técnica, serena e focada exclusivamente na apuração dos fatos objeto do processo.
Durante sua manifestação, o chefe do Poder Executivo adotou discurso de cunho político, dirigindo críticas e ataques verbais ao Parlamento e aos vereadores, inclusive qualificando o procedimento em curso de forma incompatível com a natureza legal e institucional do ato. Ainda assim, a Comissão Processante manteve postura contida e responsável, abstendo-se de responder a provocações ou declarações alheias ao objeto da oitiva.
Mesmo diante desse contexto, não houve qualquer desvio de conduta por parte desta Casa. A opção institucional foi preservar o rito legal, garantir integralmente o direito de defesa e assegurar que o procedimento transcorresse sem interrupções indevidas ou escaladas retóricas, reafirmando a separação entre o debate político e o processo político-administrativo formal.
Concluída a fase de instrução com as oitivas designadas, foi deliberada a abertura do prazo legal para apresentação das alegações finais pela defesa, nos termos do Decreto-Lei nº 201/67, com início na próxima segunda-feira, respeitados os prazos legais e o funcionamento regular da Câmara.
Na sequência, a Comissão Processante elaborará o relatório final, que será oportunamente submetido à apreciação do Plenário, órgão soberano para o julgamento político-administrativo da matéria.
A Câmara Municipal de Cachoeirinha reafirma seu compromisso com a legalidade, a institucionalidade, a transparência e o respeito às instituições democráticas, conduzindo o processo com responsabilidade, serenidade e estrita observância da lei.
Câmara de Vereadores de Cachoeirinha/RS.



