spot_img

A Perversão que desprotege o ambiente e a democracia

O que houve de perverso na COP 30 e nos atos que levaram Bolsonaro à prisão compulsória? Podemos tomar emprestados elementos da psicanálise para refletir sobre como os poderosos gozam, no Brasil e no mundo, desmentindo os riscos mortíferos que ameaçam suas próprias existências — sejam eles sujeitos, empresários ou lideranças políticas.

Para não nos deixarmos cair em melancolia diante dos resultados da COP 30, é importante reconhecer seus aspectos positivos. Entre eles, tivemos a criação da “Meta Global de Adaptação”, que pela primeira vez estabeleceu um acordo para enfrentar eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, além da adoção de um conjunto comum de indicadores. É a primeira vez que as conferências do clima chegam a um consenso sobre como medir o preparo dos países diante desses eventos.

No avanço rumo a uma economia de baixo carbono, foi estipulado o Fundo Verde Climático, com compromisso de aporte de US$ 10 bilhões por diversos países.

Houve ainda manifestações expressivas e reconhecimento da importância dos povos indígenas, tanto como protetores das florestas quanto como protagonistas nas estratégias de adaptação climática.

No quesito gênero, a ampliação da participação feminina — inclusive de jovens — em negociações e ações representou uma vitória. (Lamenta-se, no entanto, a ausência da jovem ativista sueca Greta Thunberg, cuja participação poderia ter fortalecido protestos e pautas urgentes.)

A diversidade sexual também teve representação significativa, especialmente através da participação da Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do MDHC, Symmy Larrat, que liderou debates com a sociedade civil e gestores, destacando demandas de políticas públicas de inclusão da comunidade frente aos impactos das adversidades climáticas.

Essa temática vem sendo trabalhada há mais de um ano pelo SOS RS Diversidade, do qual sou coordenador. Estamos aguardando agenda com Symmy Larrat para avançarmos em diretrizes capazes de mitigar os danos enfrentados pela nossa diversidade em razão da tragédia política e ambiental. Tivemos ainda uma vitória importante nas conferências municipal e estadual: o acesso ao Fundo Bilionário de Reconstrução para mapeamento, auxílio à reconstrução para quem foi injustamente excluído e, progressivamente, atendimento de demais necessidades.

O que foi frustrante e lamentável no texto final da COP 30

  • A ausência de um acordo para redução dos combustíveis fósseis e para garantir o limite de 1,5°C de aquecimento global — nível que estudos apontam estarmos muito próximos de ultrapassar. Essa lacuna revela a correlação mundial de forças e compromete a capacidade de conter catástrofes resultantes de secas e ondas de calor que aceleram degelos e a elevação do nível dos mares.

Esse é o aspecto perverso e mortífero da postura das lideranças dos países mais poderosos, que se recusam a reduzir seus lucros com combustíveis não renováveis — como os sauditas, que representaram na COP 30 os mesmos interesses do ausente Estados Unidos.

Para completar o cenário destrutivo, a pulsão de morte antiambientalista do Congresso brasileiro obteve lamentável vitória ao derrubar os vetos de Lula. Salvaguardas como o licenciamento ambiental protetivo foram derrotadas. Resta a esperança de que o STF, que tem sustentado a bandeira da pulsão de vida ambiental e democrática, possa reverter essa situação.

Psicanálise, poder e destruição

Embora a psicanálise, como Freud delimitou, não seja uma filosofia — mas uma metapsicologia, semiológica e curativa —, podemos, em extensão, utilizá-la para refletir sobre clima e ambiente.

O conceito de pulsão de morte, com base em Schopenhauer, parte da ideia de que a vida tende a retornar ao inorgânico. Em Freud, isso se articula com a subjetividade humana atravessada pela cultura, implicando o embate permanente entre Eros (pulsão de vida) e Thanatos (pulsão de morte).

Nessa lógica, percebemos que os poderosos destruidores do mundo gozam sem o princípio de realidade, incapazes de olhar para o futuro, movidos pelo prazer da riqueza. O perverso é aquele que desmente a lei e, portanto, não aprova contenções que limitem seus deleites. Lacan nos ensina que o “Discurso Capitalista” nega a castração, vendendo-nos a fantasia de completude pelo consumo e pelas aquisições — independentemente da exploração e destruição do meio ambiente.

A mesma lógica nos atos de Bolsonaro

O mesmo padrão se repete nos atos de Bolsonaro, que passou por cima da lei penal ao realizar reuniões com celular, destruir a tornozeleira eletrônica e orquestrar um golpe derradeiro contra a democracia e a Constituição. Recentemente, sua recusa a limites atingiu até aliados, como no caso da chantagem articulada com Trump, cujo “tarifaço” prejudicou o agronegócio e o empresariado exportador brasileiro.

Agora, seus defensores pedem piedade alegando um suposto surto psicótico — diagnóstico que a psiquiatria não chancela. Lucidez, no entanto, não lhe faltou para debochar das vítimas da Covid, afrontar o STF com seus filhos e praticar ações que culminaram em sua prisão definitiva e justa.

Exemplo positivo

Parabenizo o deputado Pepe Vargas, presidente do legislativo gaúcho, que dá exemplo de gestão pró-vida e ambientalista ao adquirir energia 100% sustentável para a Assembleia. Avança, assim, no que defendeu na COP 30 com o “Pacto RS 25”, em sintonia com o Plano de Logística Sustentável (PLS).

A psicanálise não oferece saída clínica para a perversão, mas indica que o dispositivo adequado é a contenção e a justiça. Num ano que antecede as eleições, que as consciências façam das urnas de 2026 espaços verdes, repletos de justiça e democracia.

spot_img
Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella – Psicólogo e psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS. É comentarista e produtor do canal Café com Análise, no YouTube, e atua como coordenador da ONG Desafios, em Porto Alegre.
- Conteúdo Pago -spot_img