Vivemos uma época em que a política virou palco — não de ideias, mas de likes. O cargo virou cenário. O mandato, figurino. E o vereador, aquele que deveria proteger o interesse público, virou um personagem caricato de reality show mal roteirizado.
Antes, fiscalizar era tarefa técnica, séria, quase invisível. Hoje, virou espetáculo barato. É como se um médico, em vez de operar, resolvesse fazer uma dancinha no centro cirúrgico. Sabe o que acontece nesse caso? Gente morre.
Fiscalização ou performance?
A pergunta não é retórica. Ela expõe a podridão do que temos assistido: vereadores com celulares em punho, invadindo espaços públicos, gravando vídeos como se fossem justiceiros urbanos… mas com roteiro de youtuber.
Gabriel Monteiro foi o primeiro a provar do próprio veneno. O script era o mesmo: vídeos sensacionalistas, edição teatral, narrativa “heróica”. Resultado? Cassado. Preso. Desmascarado. Porque, no fundo, não passava de um projeto pessoal de vaidade disfarçado de “fiscalização”.
Agora, o remake de mau gosto vem de Canoas, com o ex-vereador Ezequiel Vargas — cassado por transfobia, inelegível por mais de uma década, e ainda tentando se sustentar em cima de escândalos fabricados para engajamento.
O novo caso: ataque, não fiscalização
Recentemente, Ezequiel publicou um vídeo cobrando a demissão de um professor da rede municipal, acusando-o de incitar violência contra opositores políticos. Até aí, poderia ser um debate público. Mas o vídeo foi além: expôs o servidor sem direito de defesa, com linguagem depreciativa e desinformativa.
Resultado?
A Justiça foi acionada — e respondeu com firmeza.
No despacho da juíza Marise Moreira Horowski, ficou claro que a postagem de Ezequiel extrapolou qualquer limite de crítica aceitável, configurando exposição indevida, risco à integridade moral e profissional do servidor. Ele teve 48 horas para apagar o conteúdo, sob pena de multa diária de R$ 2.000, limitada a R$ 30.000.
O custo da lacração: reputações arruinadas, vidas adoecidas
Vamos ser claros: isso não é fiscalização. É covardia digital.
É usar o ex-cargo público para linchar moralmente alguém — com trilha sonora dramática, legendas indignadas e, claro, sem dados, sem investigação formal, sem processo administrativo.
Isso não é combate à corrupção.
É pornografia da dor alheia — transmitida em 1080p com filtro de indignação fake.
E vergonha pública para quem confundiu serviço público com entretenimento viral.
Fiscalizar não é lacrar. É servir.
Você quer likes ou quer resultados? Porque são coisas diferentes.
A população não precisa de um ex-vereador que grita com servidor público na frente de uma câmera. Precisa de alguém que entenda contratos, planilhas, leis. Alguém que saiba usar uma CPI — e não um ringue de MMA retórico no Instagram.
Fiscalizar é técnico, frio, meticuloso. Não dá ibope. Mas muda o jogo.
O resto é performance de vaidade para plateia rasa.
A democracia adoece com esse circo
Transformar o mandato (ou sua lembrança) em palco é perigoso. Você não melhora o sistema humilhando quem está tentando mantê-lo de pé. Você não combate a corrupção desinformando.
O dano não é só ao profissional atacado.
É à confiança pública. À credibilidade das instituições. À ideia de justiça.
Política feita para viralizar é como um carro esportivo sem freio.
É rápido, barulhento — e, cedo ou tarde, se espatifa.
E pra encerrar:
O vereador não é influencer. É servidor.
E se ele precisa humilhar alguém pra aparecer, então ele não serve — nem pra servir café na Câmara.
Você teve um mandato. Um instrumento poderoso.
Use isso pra mudar realidades — não pra colecionar views.
Ou então, seja honesto: largue a política e vá fazer vídeo de receita no Reels.
Pelo menos, lá, o dano é só pro estômago.
Foto: Brunna Graco