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Bets na berlinda: governo aposta na taxação para fechar contas e conter um risco social em expansão

No dia seguinte ao revés de uma das principais medidas econômicas no Congresso, o Palácio do Planalto redesenhou a estratégia fiscal para 2025 e 2026. A prioridade passou a ser a cobrança mais dura sobre as casas de apostas on-line — as chamadas bets —, tema que assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificam como de “apelo popular” e que, além de reforçar a arrecadação, busca responder ao avanço de um fenômeno visto no governo como fator de endividamento e adoecimento social.

Nova rota após a MP

A leitura interna é que insistir na tributação das bets pode atenuar o desgaste provocado pela queda da Medida Provisória (MP) que funcionaria como alternativa ao aumento do IOF. A MP caducou após a Câmara aprovar um pedido de retirada de pauta. Como contrapartida, o Planalto trabalha em duas linhas:

  1. decretos para recompor parte da receita perdida;

  2. um projeto de lei com urgência, resgatando pontos centrais da MP — entre eles a cobrança retroativa de apostas e limites a compensações tributárias consideradas indevidas.
    A expectativa do governo com a retroatividade sobre empresas que atuaram antes da regulamentação do setor chegava a R$ 5 bilhões.

Tudo, porém, segue em avaliação e aguarda o retorno de Lula a Brasília. Em entrevista à rádio Piatã (BA), nesta sexta-feira, o presidente sinalizou que também pretende elevar a tributação do sistema financeiro, especialmente das fintechs, recém-chegadas ao mercado.

O que está (e o que não está) na mesa

No Ministério da Fazenda, interlocutores afirmam que a meta fiscal não muda. Fernando Haddad cancelou presença em um evento do setor imobiliário em São Paulo para permanecer em Brasília, coordenando respostas ao impacto da MP — sobretudo em 2025.

Decretos e bloqueios no radar

Com o fim da MP, projetam-se R$ 46 bilhões a menos em receitas e cortes até 2026 (R$ 31 bi de arrecadação frustrada e R$ 15 bi em contenção de despesas). A estimativa era de R$ 15 bi ainda em 2024 e R$ 30 bi no ano seguinte — valores já considerados no projeto orçamentário.

Para 2025, tende a crescer o congelamento de despesas — hoje em R$ 12,1 bilhões —, afetando inclusive emendas. Para 2026, o quadro é mais duro: somado ao projeto que corta benefícios fiscais, parado no Congresso, o buraco a fechar gira em torno de R$ 50 bilhões.

Entre as opções, circulam aumentos de tributos que independem do Legislativo, como IOF e IPI; a migração de trechos da MP para outras proposições; e a busca por receitas extraordinárias. Lideranças governistas mencionam um PL em regime de urgência para recolocar itens estruturais da proposta.

Disputa de narrativa

Paralelamente, o governo montou uma ofensiva de comunicação. A Secom tenta firmar a tese de que a derrubada da MP beneficia a alta renda e onera políticas públicas, reforçando o mote de “justiça tributária”. A ideia é sublinhar que a medida focava lucros e aplicações de maior renda, preservando o piso social. Entre aliados, circula a leitura de que quem barrou a MP optou por proteger bancos e investidores em detrimento de saúde, educação e programas sociais.

Antes da sessão que sepultaria a MP, Haddad já vinha defendendo que a contribuição adicional deveria recair sobre o topo da pirâmide e alertando para tentativas de desorganizar o orçamento com fins eleitorais.

Termômetro político

Para o Planalto, a decisão da Câmara sinalizou a antecipação da disputa de 2026. Siglas do Centrão, como PP e União Brasil, fecharam questão contra o texto. A derrota foi considerada uma das mais relevantes da atual gestão no Legislativo, uma semana após a aprovação da faixa de isenção de IR até R$ 5 mil. O requerimento de retirada de pauta foi aprovado por 251 votos a 193 — placar que o governo gostaria de ter reduzido para mostrar dissenso interno na Câmara.

Pressões setoriais e desenho tributário

A derrubada mobilizou setores diretamente atingidos: bets, fintechs e a indústria de fundos. A proposta original uniformizava a alíquota da maioria das aplicações financeiras em 17,5% (atualmente entre 15% e 22% conforme o prazo) e previa 5% para produtos hoje isentos. Em busca de acordo, o relator recuou do fim das isenções e elevou a alíquota geral para 18%.

No caso das fintechs, o governo pretendia extinguir a faixa de 9% da CSLL: as menores passariam a 15% e as maiores a 20%, patamar dos grandes bancos. O Planalto sustenta que, dado o crescimento do setor, é “devido” nivelar a carga. Entidades do segmento, por sua vez, alegam que a tributação efetiva já supera a dos bancões, apesar da alíquota nominal menor, citando médias perto de 30% ante algo em torno de 12% no sistema tradicional.

Por que as bets viraram símbolo — e alerta

Além da arrecadação, a ênfase sobre bets reflete um diagnóstico social: o ambiente de apostas instantâneas, hiperpublicizado por influenciadores e clubes esportivos, estimula comportamento de risco, amplia endividamento familiar e agrava transtornos relacionados ao jogo. Ao endurecer a tributação e a fiscalização, o governo tenta desincentivar o consumo predatório e reduzir externalidades negativas — sobretudo entre jovens e populações mais vulneráveis. A medida é vendida como política pública de proteção, não apenas como fonte de caixa.

Real News seguirá acompanhando os desdobramentos: decretos, eventual PL em urgência, impactos no Orçamento de 2025, reações do mercado financeiro e mudanças no enquadramento das bets.

Foto: Wagner Andrade

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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