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STF interrompe repasses de emendas “Pix” após indícios de irregularidades

Em medida com potencial de tensionar a relação com o Congresso, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou em 15/09 a suspensão dos repasses de emendas especiais — as chamadas emendas “Pix” — destinados ao Rio de Janeiro e a outras oito prefeituras, diante de suspeitas de irregularidades. A decisão se ampara em achados da Controladoria-Geral da União (CGU) e foi encaminhada à Polícia Federal (PF) para subsidiar investigações em curso ou abrir novas frentes. Esse tipo de emenda permite que recursos federais indicados por parlamentares sejam transferidos diretamente aos cofres municipais. Dino ordenou ao governo federal o bloqueio dos repasses vinculados às emendas auditadas que apresentaram indícios de ilícitos.

O que a auditoria encontrou

A CGU examinou os dez municípios que mais receberam emendas Pix entre 2020 e 2024, montante que totaliza cerca de R$ 725 milhões. Apenas São Paulo ficou livre de inconsistências em planos de trabalho ou na aplicação dos valores. O relatório descreve ineficiência e inefetividade na aquisição de bens e na execução de serviços, com sinais de sobrepreço, desvio de recursos, favorecimento de empresas e falta de comprovação de compras — fatores que comprometeram a entrega do que havia sido contratado. Diante do quadro, Dino determinou que a CGU amplie progressivamente a auditoria para outras localidades, citando o “altíssimo índice” de problemas em nove dos municípios avaliados. Relator de processos sobre emendas parlamentares, o ministro tem exigido critérios de transparência como pré-condição para pagamentos.

Sobrepreço e casos emblemáticos

Os auditores estimaram R$ 4,2 milhões em sobrepreço na contratação de serviços e equipamentos nas nove cidades com problemas. No Rio, foram identificados indícios de superfaturamento na compra de portas acústicas para os teatros Ipanema e Ziembinski, com sobrepreço calculado em R$ 201,8 mil.

A Prefeitura do Rio afirma que os questionamentos da CGU já foram sanados durante a auditoria, sustentando que não houve irregularidades na aplicação dos recursos e que menos de 2% do valor da emenda analisada se destinou às portas acústicas. Após a controladoria apontar duplicidade de R$ 119 mil na reforma, o município declarou tratar-se de erro material na composição orçamentária, posteriormente corrigido, e que os preços passaram por avaliação formal, com ratificação da FGV.

Em São João de Meriti (RJ), concentram-se os maiores indícios de superfaturamento. Em quatro licitações associadas às emendas investigadas, três tiveram apenas um concorrente. Somente ali, os achados somam R$ 2,6 milhões. A prefeitura comunicou que a atual gestão assumiu o município com dívida de R$ 1,04 bilhão, que as irregularidades se referem à administração anterior (2020–2024) e que os bloqueios do STF podem afetar serviços essenciais. Segundo o município, a Procuradoria-Geral já atua no caso e haverá auditoria interna nos contratos ainda vigentes vinculados às emendas.

Em Iracema (RR), a prefeitura pagou R$ 498,4 mil por uma unidade odontológica móvel, valor 37% acima da média apurada pela CGU (R$ 362,9 mil). O órgão também registrou três ambulâncias entregues sem a porta lateral deslizante prevista no termo de referência e nas notas fiscais, além de subutilização de um dos veículos — o odômetro marcava 4,3 mil quilômetros e faltavam itens básicos de uso, como luvas e máscaras. Houve ainda indícios de uso particular de uma van destinada ao transporte de profissionais de saúde, já que no veículo foram encontrados uma autorização para o evento religioso “Inconformadas” e uma lista de frequência do “Curso Preparatório de Obreiros”. A prefeitura não respondeu aos questionamentos.

Em Sena Madureira (AC), a administração municipal não comprovou a entrega de combustível adquirido com verbas das emendas auditadas, o que pode representar prejuízo de R$ 1,8 milhão ao erário. Em vídeo, o prefeito Gerlen Diniz atribuiu problemas à gestão anterior e disse que tentará reverter a suspensão decidida por Dino, ponderando que a interrupção dos recursos penaliza a população e que sua administração seguirá tocando as obras com os meios disponíveis.

Em Macapá (AP), a CGU apontou indícios de direcionamento em licitação para construção de passarelas, destacando cláusulas restritivas que reduziram a concorrência. Em nota, a prefeitura afirmou que prestará todos os esclarecimentos aos órgãos de controle e reiterou o compromisso com a transparência e a boa aplicação do dinheiro público.

Transparência e governança fragilizadas

A controladoria identificou um episódio de “química contratual” — prática vedada na qual serviços previstos em contrato, mas não executados, servem para justificar outros que não estavam contratados. No caso analisado, a prestação de contas trouxe imagens de uma escada de concreto e pintura do piso, quando o objeto contratado era a execução de passarelas mistas de madeira e concreto.

Os auditores ainda ressaltaram baixa rastreabilidade dos recursos: muitas prefeituras não abriram contas específicas para movimentar as verbas e apresentaram planos de trabalho ausentes ou incompletos no Transferegov, sem metas e indicadores claros.

O que muda na prática

Em 2024, o ministro Flávio Dino já havia interrompido pagamentos de emendas Pix, liberando-os apenas mediante condições como a apresentação de plano de trabalho e a abertura de conta exclusiva para recebimento. Na prática, a exigência tornou o fluxo mais condicionado à transparência, em contraste com o modelo anterior, em que os repasses podiam ocorrer sem carimbo específico de destinação.

Foto: Gustavo Moreno/STF

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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