O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), iniciou nesta terça-feira seu voto no processo sobre a “trama golpista”, relatando que o ex-presidente Jair Bolsonaro liderou um projeto autoritário que buscou depor o governo eleito em 2022.
Requisição de responsabilização
Em seu voto, Moraes atribuiu a Bolsonaro e a outros sete investigados crimes graves — entre eles: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, formação de organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça ao patrimônio público, além de deterioração de patrimônio protegido. Conforme o ministro, o ex-presidente liderou uma estrutura hierárquica de poder, contando com apoio de integrantes do governo e das Forças Armadas, e utilizou recursos estatais para articular seu projeto autoritário. A pena máxima somada poderia alcançar 43 anos de prisão. A definição da sanção ocorrerá após manifestação dos demais ministros, e será possível recurso em caso de condenação.
Réus envolvidos
Além de Bolsonaro, figuram como réus ex-ministros (Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres e Augusto Heleno), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência) e o deputado federal Alexandre Ramagem. Este teve parte das imputações (dano ao patrimônio e deterioração de bens tombados) suspensas até o fim do mandato, conforme prerrogativa constitucional.
Linha de votação
Devem se manifestar em seguida os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Atos golpistas estruturados
Segundo Moraes, entre 2021 e 2023, a organização criminosa executou uma série de ações direcionadas a desestabilizar a democracia. Essas ações também precederam os eventos de 8 de janeiro de 2023 — “definitivamente, não casos espontâneos”, destacou o ministro, que afirmou:
“Quase voltamos à ditadura, porque esse grupo político, liderado por Bolsonaro, não admite perder eleições.”
O voto descreveu uma clara divisão de tarefas dentro do grupo, com movimentações que visavam, passo a passo, roubar a alternância de poder, base do regime democrático.
Evidências e coerência de ação
Moraes ressaltou que as defesas tentaram classificar os atos como meramente conversas, mas a investigação apontou que eram atos executórios inequívocos. O modus operandi envolvia ataques sistemáticos à urna eletrônica e à Justiça Eleitoral, além de tentativas de fragilizar instituições. O ministro enfatizou a relação entre uma “live” de Bolsonaro em 2021, pautas golpistas na agenda de Heleno e documentos apreendidos com Ramagem, organizando uma narrativa de conluio para instituir um golpe.
Discursos de Bolsonaro como prova
Foi destacado trecho em que o ex-presidente afirmou que só sairia “preso, morto ou vitorioso”, e que “nunca seria preso”. Para o ministro, a declaração evidencia a recusa explícita em aceitar eventual derrota eleitoral.
Intensificação dos atos golpistas
Moraes listou episódios recentes, como monitoramento de autoridades (inclusive o próprio relator e o presidente Lula), tentativas de anular parte dos votos, e o chamado “Plano Punhal Verde-Amarelo” — plano que, de acordo com a acusação, previa a eliminação física de Moraes, Lula e Alckmin. Outros episódios citados incluem a reunião ministerial de julho de 2022 com pautas golpistas e o encontro transmitido aos embaixadores, considerado por Moraes como símbolo de “entreguismo nacional” e ensaio para os acontecimentos subsequentes.
Depoimentos das Forças Armadas
Depoimentos dos ex-comandantes do Exército (Freire Gomes) e da Aeronáutica (Baptista Júnior) foram cruciais. Ambos mencionaram conversas sobre o uso de instrumentos como o estado de defesa ou GLO, além de eventuais prisões de autoridades — linguagem que, segundo Moraes, corresponde à preparação de ruptura institucional.
Delatores e diligências
Mauro Cid, um dos colaboradores premiados, teve sua delação considerada voluntária e válida, o que reforça o alcance da investigação. Moraes rejeitou alegações de nulidade ou cerceamento do direito de defesa, lembrando que as defesas tiveram acesso integral aos autos desde o início.
Divisão entre crimes
O ministro sublinhou que tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático são tipificações distintas, cada qual com sua gravidade, mas com complementação entre si — fato já reconhecido em mais de 600 casos analisados pelo STF.
Comparações simbólicas e repercussão política
Moraes comparou uma comunicação assinada por Ramagem, que atacava o sistema eleitoral, com mensagens de facções criminosas, apontando que ela não era tipicamente enviada no meio político — mas sim uma correspondência estratégica com cunho autoritário.
Conflito no STF
Durante o voto, o plenário se tornou palco de tensão: o ministro Luiz Fux interrompeu Moraes, alegando descumprimento de um acordo informal da Primeira Turma quanto à ordem de votações. Moraes, por sua vez, rebateu que o aparte foi solicitado a ele, e não ao colega.
Foto: Rosinei Coutinho/STF