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Relações de poder e resistência

As relações de poder e resistência são significantes que assumem sentidos distintos sob os olhares da psicanálise e da filosofia.

Segundo o filósofo e psicólogo Michel Foucault, as relações de poder só se estabelecem quando há possibilidade de resistência. Esse conceito se refere ao confronto — à resistência frente à opressão, aos desmandos, às ilegalidades e às injustiças. Por isso, ele dizia que no escravagismo não havia relações de poder, pois se tratava de um exercício unilateral do poder do senhor sobre o escravizado, sem margem real de resistência. Quando a resistência surgia, aí sim estabelecia-se um confronto — a busca por um poder relacional, libertador.

Quando o STF e o governo resistem a atos golpistas, fascistas, bolsonaristas e atentados, em defesa da soberania nacional — por exemplo, diante das supertaxações impostas por Trump —, temos relações de poder em ação. Um poder exercido sem medo.

Mas que tipo de resistência e relações de poder podem ter pessoas sem acesso à educação? Nosso estado, por exemplo, apresentou uma queda preocupante na taxa de alfabetização: de 63,4% em 2023 para apenas 44,67% em 2024. Que relações de poder podem exercer a população LGBT+, quando é constantemente vitimada no país que mais nos mata? E que poder tem uma mulher indígena violentada pela polícia com seu bebê ao lado?

Alfred Adler, discípulo que rompeu com Freud, criticava a visão pansexualista do mestre — segundo a qual os conflitos psíquicos seriam motivados essencialmente pela busca insatisfeita da satisfação sexual. A psicologia individual de Adler propôs que o ser humano se move na busca do poder, não como dominação, mas como superação da inferioridade, com vistas à contribuição social — ideia que dialoga bem com a visão foucaultiana de poder como relação.

Para Freud, no entanto, “resistência” não é o mesmo que em Foucault. É um conceito clínico: a resistência é fruto do recalcamento, que se manifesta no jogo oculto de esconder e revelar, materializando-se em sintomas neuróticos. A psicanálise aposta na cura pela palavra, facilitando a ressignificação do sofrimento. Já Lacan aponta para a ética do desejo — que não se refere ao gozo ilimitado, mas a uma travessia entre Sade e Kant, ou seja, entre o prazer e os limites éticos.

Particularmente, acredito que todos esses olhares se transversalizam na singularidade de cada sujeito, nas tramas dos laços sociais. É impossível ser alheio às estruturas de poder: mesmo para garantir o mínimo — comida, saúde, dignidade — é preciso enfrentar a luta de classes, com representações e representatividades.

Quando egos se colocam acima dos movimentos — sem ética, sem o sacrifício do excesso narcísico — os prejuízos coletivos podem ser profundos. É comum vermos ideias ou pautas deixadas de lado apenas por não partirem de um ou outro líder.

Hoje, com um ego grande, mas realizador — atravessado por uma vida de militância genuína — não consigo deixar de apostar e convocar apoios para duas frentes de luta que representam parcerias potentes: o investimento no empreendedorismo LGBT+ e no Turismo Gay Friendly, e o S.O.S RS Diversidade, união de coletivos e organizações que dão suporte à comunidade LGBTQIAPN+ gaúcha, ainda impactada por uma catástrofe política e ambiental que exige resistência permanente por uma vida digna.

Seguirei nessa luta como delegado da Conferência Estadual LGBT+, fortalecendo ações e buscando levar essas pautas à Conferência Nacional. Faço isso com base em um apoio foucaultiano — potente e necessário — às relações de poder e resistência. Mas sempre atento aos desafios egóicos, que não pertencem a um gênero específico, e sim à complexidade do humano em suas dinâmicas grupais.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella – Psicólogo e psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS. É comentarista e produtor do canal Café com Análise, no YouTube, e atua como coordenador da ONG Desafios, em Porto Alegre.
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