A visibilidade e o controle dos corpos

Sem a dicotomia cartesiana que separa o corpo da mente/alma, trago uma abordagem de eventos em que o corpo assume um protagonismo que incomoda o fundamentalismo religioso e favorece a ideologia de extrema direita.

No âmbito macropolítico, vemos o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, marcado por discursos e ações de ódio que fomentam a expulsão de migrantes e defendem a remoção dos palestinos de Gaza, reduzidos a meros corpos sem sujeitos, desejos e direitos, para consolidar a supremacia de Israel – um aliado que, inclusive, o favorece na construção de seu resort na região.

Trump também ataca a comunidade LGBTQIAPN+, afetando especialmente os mais vulneráveis: pessoas trans e travestis encarceradas, que serão colocadas em prisões masculinas. São os “Cristos crucificados” que mais desafiam a lógica binária e a visão ultraconservadora da TFP, sustentáculo do nazifascismo.

Por isso, com respeito a muitos amigos que pensam diferente, entendo que o escândalo em torno do “Cristo desnudo” do Bloco da Laje favorece essa visão fundamentalista. Ela rebaixa o corpo e a sexualidade à condição de desrespeito à figura de Cristo. Como psicanalista, vejo na performance o simbólico de nossos crucificados — não apenas da população LGBTQIAPN+, mas também dos negros, das mulheres vítimas de feminicídio, violentadas e maltratadas no corpo e na alma.

É essencial separar o “joio do trigo” neste episódio do Cristo desnudo. O Bloco da Laje é um coletivo carnavalesco e um espaço de arte teatral, não exclusivamente ligado à diversidade sexual. As opiniões se dividiram: algumas pessoas, mesmo sem serem de direita, não consideraram a encenação respeitosa, por um real sentimento conservador de fé cristã.

Outros, porém, criticam a performance a partir de um viés moralista que reforça o preconceito contra a sexualidade, a censura dos corpos e a repressão da manifestação artística — que, neste caso, toma Cristo como metáfora dos apedrejados e mortos na cruz. Pelo olhar de Michel Foucault, tudo isso revela os saberes e os (podres) poderes se impondo pelo controle dos corpos.

Uma boa resposta a essa ofensiva conservadora foi a força da “Marsha Trans em Brasília”, que reuniu cerca de 4 mil pessoas em homenagem a Marsha P. Johnson, ativista norte-americana das décadas de 1960 a 1990 pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+.

Em Buenos Aires, milhares foram às ruas, tendo a diversidade como vanguarda contra Milei e seu discurso antifeminista, que relativiza o feminicídio e ataca a população LGBTQIAPN+.

Vivemos um momento potente para as demandas mais amplas da diversidade, impulsionadas pela grande Érika Hilton, primeira deputada federal trans, que hoje não luta apenas por banheiros livres, mas por direitos humanos e sociais que todos os cidadãos, independentemente de gênero e orientação sexual, merecem. Com o mesmo propósito, corpos e mentes ousadas e transformadoras — trans e travestis — começaram o ano trabalhando firmemente pela nossa reconstrução: as vereadoras Natasha Ferreira e Atena Beauvoir, que, junto com Giovane Culau, formam o “tiro colorido” na Câmara de Porto Alegre.

Nossos corpos diversos, habitados por sujeitos de desejos, pulsam pela vida nas ruas, nas instituições e nas escolas, trazendo a força libertária antifascista por um mundo livre de opressões, em um país que mais nos mata.

Em tempo: Como coordenador do SOS-RS Diversidade, reporto a reunião virtual acolhedora com a secretária nacional LGBTQIAPN+, Symmy Larrat, que está nos apoiando na busca por recursos para as vítimas de nossa comunidade, impactadas pela tragédia política e ambiental. Em março, ela estará conosco, contando com a adesão de todo o movimento e suas lideranças, neste grande coletivo que não é partidário!

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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